Um Deus relacional responde à tendência para o insulto
Quando Jesus disse1
Todo aquele que se irritar contra o seu semelhante terá de responder em julgamento; (…) e aquele que lhe chamar “estúpido” merece ir para o fogo do inferno,
poderá não ter surpreendido inteiramente o seu público, que também ouvira que não havia nada mais enganador do que o coração humano, «demasiado doente para ser curado».2 Mas deve ter soado cruel: como era suposto evitarem qualquer coisa que tinham começado em crianças precisamente ao procurar a fronteira entre o céu e o inferno?3
Se houver camadas de significado, como em poesia e em textos legais inescrutáveis, o texto precisa de ser estudado como quem «vira qualquer coisa ao contrário e a desmonta ou roda contra uma luz».4
O meu interesse é o caráter da pessoa que nos pede que não nos irritemos, não nos insultemos, não queiramos sequer fazê-lo. Penso no facto de o Deus do texto estar acompanhado — ser, na verdade, um em três pessoas, relacional por natureza — e no facto de Jesus dar esta instrução a pensar nessa relação.
O que será ser amado por alguém que nunca nos quereria insultar? Que consideração tem esta Trindade dentro de si para que nunca lhes ocorra irritarem-se? Só neste prisma é que não admira que a oração do Pai Nosso inclua a frase «Venha a nós o teu reino».
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No Novo Testamento, em Mateus 5:22. ↩︎
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No Antigo Testamento, em Jeremias 17:9. ↩︎
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Eu tinha quatro ou cinco anos quando chamei ‘estúpido’ a alguém pela primeira vez. Não me lembro do incidente, mas lembro-me de que levei isso para casa e o experimentei com a minha mãe, que rapidamente me traçou a fronteira de maneira que não precisei de voltar a perguntar. ↩︎
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Esta é a minha definição preferida de meditação; na verdade, é a crítica de teatro Susannah Clapp a definir criticismo (em «Lines of Work: Theatre Critic Susannah Clapp on Oscar Wilde», para o podcast The Essay) ↩︎