Trigo e joio
A planta llareta, no Chile, parece uma tumescência de berlindes revestida de musgo, mas é um arbusto com três mil anos, «uma densa massa de milhares de ramos que terminam em minúsculos botões de folhas». Foi fotografada por Rachel Sussman, juntamente com outras plantas, nenhuma com menos de 2000 anos, para o livro The Oldest Living Things in the World.
Durante o projeto, uma das plantas, um cipreste-de-folha-caduca com 3500 anos, na Flórida, foi sem querer incendiado quando uma rapariga fez uma fogueira com detritos para ver a metanfetamina que levara; e uma floresta subterrânea com 13 mil anos na África do Sul, que à superfície parecia tufos rasteiros, foi destruída para se construir uma estrada. Sussman não revelou o local exato de nenhum dos organismos no livro por medo de que isso precipitasse a sua destruição. E Maria Popova, que moderava a conversa em que Sussman falou disto, disse «Estas coisas parecem eternas, mas a atividade humana consegue demolir num piscar de olhos o que levou milhares de anos de história natural a construir».
Não há dúvida de que humanos são destruidores, por ganância e hedonismo. Na escala temporal destes organismos, já começámos a fazer as malas para sair deste planeta às cavalitas do Elon Musk.
Esta narrativa leva os mais zelosos a desesperar por medo de gastar recursos. Levada ao limite, imagino um grupo de extraterrestres a encontrar uma cidade deserta — a vegetação a partir vidros e a invadir prédios e esburacar ruas, em câmara lenta mas implacável. Os humanos teriam feito o último sacrifício e definhado, recusando-se a consumir. No outro extremo, imagino uma orgia de consumo da alma vencida: se estou aqui para estragar, vamos acabar com isto, que amanhã é dia e eu tenho onde estar às onze horas.
No meio termo, podemos reconhecer que temos na nossa natureza trigo e joio: a propensão para destruir e para cuidar. É interessante pensar que, na narrativa da criação, os humanos comiam plantas e sementes; e o leão também.1 Este era o mundo que os nossos antepassados transmitiam e antecipavam, não porque já na altura diziam que o mundo devia ser vegano, mas porque algo lhes dizia que a destruição, intencional ou não, era uma irregularidade.
Marilynne Robinson não se referia ao planeta mas ao nosso cuidado uns com os outros quando disse «Nós somos, como sempre fomos, criaturas perigosas, os inimigos da nossa própria felicidade. Mas a única ajuda que alguma vez encontrámos para isto, o único remédio, foi a reverência mútua». Uma visão temperada, e em reverência mútua, dá-nos margem para agir.
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«Deus continuou: “Dou-vos todas as plantas que produzem semente e que existem em qualquer parte da terra e todas as árvores de fruto, com a sua semente própria. É isso que devem comer. Dou todas as verduras como alimento aos animais e aves, a todos os seres vivos que andam sobre a terra.” E assim aconteceu.» — Génesis 1:29-30 ↩︎