Constatação de possibilidades acalmada a estridente caixa sonora que é o mundo urbano
Há uma citação de Tolentino Mendonça no livro Uma beleza que nos pertence:
De facto, o mundo, este mundo que nos habituámos a identificar como estridente caixa sonora que nunca dorme, é atravessado por um fio de silêncios à espera de serem escutados.
Este fio de silêncios deixa-se ouvir desde que a pandemia nos empurrou para casa com a mesma força com que a atmosfera empurra sumo palhinha acima e a vida passou a gravitar dentro de portas, à volta de vídeos de cardio e receitas de pão. Acalmada a estridência, sentem-se as mais pequenas vibrações.
Por exemplo, o Real Observatório de Bruxelas observou «uma redução de um terço no ruído sísmico causado pela actividade humana»:
Essa redução da interferência das vibrações na crosta do planeta — o chamado ruído de fundo — pode permitir aos detectores apanhar sismos mais pequenos, melhorando os dados sobre a actividade sísmica e vulcânica.
Também em nós — e não só no planeta — se sentem as mais pequenas vibrações. Não há lojas abertas na 31 de janeiro; não há comparações de mais bonito ou mais fixe; não há último modelo; não há pressa, não há Páscoa na rua.
Começando a dissipar aquilo a que C. S. Lewis chamou o «nevoeiro anestésico»1, quem pode prever as prioridades da criança com saudades dos amigos e da professora, ou do influenciador que descobriu o custo de uma escapadinha de fim de semana em emissões de carbono? Que contornos daremos à paisagem fora de portas, moldados pelo «novo silêncio neste planeta maioritariamente urbano»?
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No livro Mere Christianity, no capítulo «Nice People or New Men». ↩︎