Conjecturas sobre dor alheia
Uma mulher em visita ao Louvre atirou uma chávena à Mona Lisa. A chávena foi a única baixa, porque o quadro está protegido por um vidro à prova de balas desde o meio do século XX. A chávena foi só o arremesso mais recente.
O Louvre apresentou queixa, a mulher foi levada pela polícia, e contou-lhes que o motivo fora o ter-lhe sido negada a nacionalidade francesa.
Isto aconteceu em Agosto há mais de dez anos. Imagino-nos, no mesmo dia, a estender espreguiçadeiras na piscina na Quarteira ou a apanhar conchas numa praia em Odeceixe. Se pegámos em chávenas, foi para nos sentarmos à mesa com torradas, sem nada que nos lembrasse o renascimento ou a mulher que lhe atirou loiça.
Imagino-nos, também, capazes de fazer o mesmo. Quanto mais não seja porque raramente conhecemos os limites da nossa dor e loucura.
A dor é universal mas solitária: quem nunca acordou uma amálgama de desnorteio e desânimo para descobrir que os outros continuam a estender toalhas e a guardar sandes em arcas azuis e ásperas da areia — em vez de correrem cortinas e devolverem o sol?
Foi por ser solitária a dor alheia que lhe disseram boa tarde e a deixaram passar no balcão, em vez de se sentarem com ela, e alguém numa praia ajustou o biquíni em vez de chorar com ela. Nessa solidão atirou ela loiça ao coração da França exposto, à procura de dor partilhada.